segunda-feira, 27 de junho de 2011

Era extraordinário que ele pudesse perturbar assim o canto dos meus lábios.

[Caio Fernando Abreu]


“Não consigo imaginar nada mais satisfatório do que amar, e mesmo não sabendo o que o amor significa, sei o que representa. É o que nos faz, no meio de uma multidão, destacar alguém que se torna essencial para nosso bem-estar, e o nosso para o dele. É receber uma atenção exclusiva e oferta-la na mesma medida. Ter uma intimidade milagrosa com a alma de alguém, com o corpo de alguém, e abrir-se para essa mesma pessoa de um jeito que não se conseguiria jamais abrir para si mesmo, porque só o outro é que tem a chave desse cofre(…)”

Como se ela pudesse deixar de escolher como gostar de alguém, talvez até fosse capaz, mas nunca fugia. Dizia que vivia para de apaixonar e se apaixonava para viver, e todos riam porque a verdade saindo de sua boca era totalmente divertida. Era engraçado estar com ele, porque toda vez que ele a fazia sorrir ou rir, sentia uma vontade incontrolável de explicar pra ele o quanto o amava. O quanto gostaria de fazer o mesmo por ele, de liberar nele aquela endorfina que nela, levava seu nome. Tentou muitas vezes, em um daqueles dias que passavam juntos, deitados no sofá da casa dele esperando dar hora para se despedirem mais uma vez, lembrava-se de todas as vezes que foi avisada por ele para não se apaixonar. Ela dizia firmemente rindo, que isso nunca aconteceria, mesmo sabendo que assim estava desde a primeira vez que aquelas mãos seguram sua cintura, e sua voz chamou sua atenção. Porque desde o começo foi isso, foi ele chamando atenção o tempo todo, para a vida, para ele, para o mundo belo, para um mundo que ela nunca fez parte mas que no fundo sabia que era ali o seu lugar. Nunca pertenceu a algo comum, a pessoa alguma, não sabia o que era isso. Ela sorria ao lembrar de todas as vezes que ele puxou ela em um abraço dizendo o quanto ela era linda ciumenta, e da inúmeras ocasiões que o fez descrever a ideia que ele tinha do amor. Era a confirmação de como ela o amava, concordava com tudo, sentia isso mesmo. Gritava por dentro quando ele terminava sua explicação, que era isso mesmo, que ele estava certo, que ela sentia tudo isso lá dentro. Mas calava-se, porque o silêncio era algo que nunca fez parte da sua vida, mas que agora era necessário... Não era a primeira coisa de novo que ele vinha trazendo para sua vida.

[Carolina Assis]


"Pois eu, eu só penso em você, já não sei mais porque.
Em ti eu consigo encontrar um caminho,
um motivo, um lugar pra eu poder repousar meu amor."

sábado, 25 de junho de 2011

O importante, o irreversível, o definitivo, o claro nessa história toda é que eu gosto muito de ti.

[Caio Fernando Abreu]

Combinamos que não era amor. Escapou ali um abraço no meio do escuro. Mas aquilo ali foi sono, não sei o que foi aquilo. Foi a inércia do amor que está no ar mas não necessariamente dentro de nós. A gente saiu juntos, coisa que namorados fazem. Mas amigos fazem também, não? Somos amigos. Escapou ali um beijo na orelha e uma mão que quis esquentar a outra. Mas a gente correu pra fazer piadinha sexual disso, como sempre. E você olhou do corredor e me perguntou: não to esquecendo nada? E eu quis gritar: tá, tá esquecendo de mim. E você depois perguntou: não tem nada meu aí? E eu quis gritar: tem, tem eu. Eu sempre fui sua. Eu já era sua antes mesmo de saber que você um dia não ia me querer. Mas a gente combinou que não era amor. É o que está no contrato. E eu assino embaixo. Melhor assim. Tô super bem com tudo isso. Nossa, nunca estive melhor. Mas não faz isso. Não faz o mundo inteiro brilhar mais porque você é bobo. Não faz o mundo inteiro ficar pequeno só porque o seu jeito é o melhor. Não deixa eu assim, deslizando pelas paredes do chuveiro de tanto rir porque sua voz fica ridícula brava. Não transforma assim o mundo em um lugar mais fácil e melhor de se viver. Não faz eu ser assim tão absurdamente feliz só porque eu tenho certeza absoluta que nenhum segundo ao seu lado é por acaso. Combinamos que não era amor e realmente não é. Mas esse algo que é, é realmente muito libertador. Porque quando você está aqui, ou até mesmo na sua ausência, o resto todo vira uma grande comédia. E eu tenho vontade de ligar pra todos os outros e falar: putz, cara, e você acha mesmo que eu gostei de você? Coitado. Adoro como o mundo fica coitado, fica quase, fica de mentira, quando não é você. Porque esses coitados todos só serviram pra me lembrar o quão sagrado é ser absurdamente feliz mesmo sabendo a dor que vem depois. O quão sagrado é ver pureza em tudo o que você faz, ainda que você faça tudo sendo um grande safado. O quão sagrado é abrir mão de evoluir só porque andar pra trás é poder cruzar com você de novo. Não é amor não. É mais que isso, é mais que amor. Porque pra te amar mais, eu tenho que te amar menos. Porque pra morrer de amor por você, eu tive que não morrer. Porque pra ter você por perto, eu tive que não querer mais ter você por perto pra sempre. E eu soquei meu coração até ele diminuir. Só pra você nunca se assustar com o tamanho. E eu tive que me fantasiar de puta, só pra ter você aqui dentro sem medo. Medo de destruir mais uma vez esse amor tão santo, tão virgem. E eu vou continuar me fantasiando de não amor, só pra você poder me vestir e sair por aí com sua casca de não amor. E eu vou rir quando você me contar das suas meninas, e eu vou continuar dizendo “bonito carro, boa balada, boa idéia, bonita cor, bonito sapato”. E eu vou continuar sendo só daqui pra fora. Porque no nosso contrato, tomamos cuidado em escrever com letras maiúsculas: não existe ninguém aqui dentro. Mas quando, de vez em quando, o seu ninguém colocar ali, meio sem querer, a mão no meu joelho, só para me enganar que você é meu dono. Só para enganar o cara da mesa ao lado que você é meu dono. Eu vou deixar. Vai que um dia você acredita.

[Tati Bernardi]