domingo, 26 de fevereiro de 2012

Saber desistir...

...Abandonar ou não abandonar — esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? Ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa?
[Clarice Lispector]

Fui capaz de ter certeza de uma única coisa nessa vida, que depois que te conheci, não tinha remédio, chocolate ou nota alta que fizesse a mesma euforia dentro do meu peito que fazia sua mão na minha cintura. Mas era só isso, foi sempre isso. Foi sempre você também. E é você, é sua voz, é seu cheiro, é sua presença mesmo ausente. É seu sorriso de homem, seu bico de criança e sua birra de adolescente. É seu abraço de urso, seus olhos de gato, sua manias de homem cachorro. É sua mão pequena, seu sorriso largo e seu braço forte. É você por inteiro o tempo todo. É você pela metade nos momentos incertos, sou eu aceitando isso a todo momento. Sou eu olhando para nós andando juntos e brincando com sorvete e não conseguindo não pensar que não dará certo. Não consigo não ver um futuro fazendo parte do nosso presente. Não consigo enxergar o nosso presente como isso, um presente. Nem nossa vida compondo uma só, nem sua mãe me mostrando fotos de você mais novo, e eu vestindo sua camisa larga para dormir na sua cama. Quando fomos aquela loja, e a vendedora me olhou pedindo permissão para te tocar, eu quis gritar para o mundo fazer igual. E quando minha mãe disse para meus parentes que eu estava apaixonada, eu quis te apresentar para todos eles. Mas... É tem sempre um mas na gente. Tem sempre aquele embora, contudo, entretanto, me dando socos no estômago e me fazendo sentir falta de como era sair de casa e não querer te encontrar, sair com outras pessoas e não querer te chamar. Sinto falta de não te querer. E há dias atrás, quando você só era alegria, eu sentia falta de que você fizesse algo para que eu desistisse. Porque lutar cansa, desgasta e borra maquinagens. Também embaça óculos escuros, como descobri hoje no seu carro, quando de novo você falou dela, e da outra, e daquela vez com mais uma. E agora que eu estou cansada, e descobri que não sou tão forte como me achava, eu quero é que isso acabe mas em silencio, que é para eu não ficar me lamentando por ter que esquecer de mais um. Mas enquanto isso, enquanto eu me encontro todos os dias nas suas ligações e olhares, vou me contentando com o fato de você ser o único que um dia me fez querer que mundo não se tornasse amanha, só para eu não ter que te esquecer.

Carolina Assis

E eu odeio o mundo por isso, eu acho o mundo muito medíocre, eu tenho pena de todas essas pessoas que não sabem o que é encaixar o rosto no vão das suas costas e querer ser embalsamado ali por mil anos. Amor de verdade não acaba, é o que dizem, mas eu tenho medo. Eu tenho medo de quantos bocejos, cinzas e óculos de surfistas eu ainda vou ver sem você, eu tenho medo dos meus pedaços espalhados pelo mundo, eu tenho medo do vento passar enquanto eu estou míope, e eu ficar míope pra sempre. Eu tenho medo de tudo isso apagar e o vento levar suas cinzas, desse fogo todo ser de palha, como dizem. Da dor que se dissipa a cada respirada mais funda e cheia de coragem de ser só. Eu tenho medo da força absurda que eu sinto sem você, de como eu tenho muito mais certeza de mim sem você, de como eu posso ser até mais feliz sem você. Pra não pensar na falta, eu me encho de coisas por aí. Me encho de amigos, bares, charmes, possibilidades, livros, músicas, descobertas solitárias e momentos introspectivos andando ao Sol. E todo esse resto de coisas deixa ao pouco de ser resto, e passa a ser minha vida, e passa a enterrar você de grão em grão.
[Tati Bernardi]

Amadurecer talvez seja descobrir...

que sofrer algumas perdas é inevitável, mas que não precisamos nos agarrar a dor para justificar nossa existência.

[Martha Medeiros]

Deitei na cama pela quinta vez em menos de dez minutos e tentei entender onde tudo aquilo daria. Até onde eu testaria minha força e minha independência emocional. Até quando eu poderia suportar a agonia de estar bem, mesmo que a coisa que eu mais queria não estivesse. Tem tanta coisa acontecendo, tanta coisa que foge do meu controle, tanta coisa indo e vindo, tanta pouca coisa ficando. Mas esta tudo tão errado. Dentro da minha casa, da minha cabeça, do meu caderno... Dentro do meu peito. E na casa do vizinho, que grita sempre que minha cachorra late, e meus pais insistem em achar que não é por causa disso. E lá fora, no mundo... Tudo tão chato, tão injusto, tão fraco, e tão, mas tão pouco. Tem tudo para dar certo, mas parece que a vida insisti em ser apenas professora, em apenas nos dar algo para aprendizado. Tenho vontade de gritar da janela do carro que eu já aprendi tudo sobre isso, que eu posso muito bem continuar aprendendo possuindo alguma coisa. Tudo fora do lugar, tudo conectado, mas nada encaixado de verdade. Sou obrigada a aceitar que as coisas quando são para ser será, no tempo certo. To cansada também do tempo certo, quero meu tempo. Quero fazer o agora, e não o depois. O depois, deixa pra depois. Lá na frente não vou estar sentindo isso, e vou estar querendo outra coisa, que a senhora vida vai esfregar na minha cara, que só depois. E vai virar um circulo sem fim, e vou morrer antes de ter o meu agora. Antes de ter você deitado na minha cama pedindo que eu deite com você, antes de sair da faculdade e encontrar seu carro estacionado e você de pé me esperando. Porque no momento eu atendo seus telefonemas diários e ouço o nome de outra, que no agora dela, você não esta presente, assim como no meu você também não esta. E as coisas continuam assim, indo para um lugar que ninguém sabe onde é, mas que ninguém quer que vá. A gente quer mesmo que seja do nosso jeito, pelo menos em algum momento da vida. Porque acordar cedo esperando que seja um bom dia é fácil, fazer ser um bom dia é mais ainda. A dificuldade esta nos imprevisto, que insistem em ser mais espertos que a gente. Não importa o quanto queremos algo, o quanto fazemos por ele, o quando lutamos, tem coisa que não é pra ser agora... Ai a gente respira e espera o depois. Que no meu caso, tenho certeza que já vai estar tudo mudado o que quero fazer, e o quero para o agora. E depois, vem outro depois.

Carolina Assis

Eu queria não acordar e lembrar que ainda preciso conquistar você, porque você brinca de ser meu, mas mora do outro lado mundo. E eu não sou atleta e nem forte para correr tanto e tão longe, por isso gostaria de destruir tudo o que é seu do meu mapa. Eu tenho muita preguiça do seu olhar de “já sei o que é sofrer, agora posso viver sem medo porque descobri que eu não morro”. Eu já sofri por aí, mas ainda morro muito, todo dia eu velo meus restos e conto uma piada para ninguém perceber.

[Tati Bernardi]

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Não estou dizendo que é fácil...

...as você acostuma sorrir sem motivos.


De perto ela sabia sorrir com os olhos, de longe, quando não tinha ninguém olhando ficava pensativa. Não poderia julgar, mas é provável que ela estivesse pensando em algo que a fizesse sorrir de longe, para manter aquela figura de sou forte e ninguém me derruba. Ela era boa nisso, assim como era boa em outras coisas. Em dizer palavras bonitas, e pensamentos filosóficos, mas ninguém nem imaginava que ela só gostou de filosofia porque o professor era bonito. Ninguém imaginava que no fundo ela não se importava com nada, e esse era o único motivo de estar sempre bem. Ela também não sabia o significado desse bem, desse to legal, desse do risada sozinha só de abrir a janela. Ela tinha pontinha de inveja sempre que ele ligava chorando, dizendo que estava sofrendo por outra. A inveja era dele, não dela. Ela não permitia que chorassem por ela, mas também não se permitia chorar por ninguém. E se quer saber, nem tinha vontade. Não sabia perder tempo segurando o celular decidindo se ligava ou não. Mas as vezes queria ser como ele, queria soluçar dizendo que não havia mais vida sem o amor Mas havia, porque amor mesmo ta nos pais, no café da manha, na música que ela viciou a poucos dias, na serie que ela vê para fugir dos estudos. Amor ta em tudo que ela fazia, mas para ela. O resto, era social. Ela sorria para os outros por educação, sorria para ela mesma porque queria, porque precisava. Porque o mundo era bem mais bonito com ela olhando para o céu, do que dizendo bom dia para outras pessoas. Ela não gostava de pessoas, e mesmo assim gostou tanto dele. Mesmo assim se permitiu dizer para outros que sabia amar algo alem do chocolate com morango que ela sempre comia antes do almoço. E era isso que ela tinha medo, de se permitir. Se importar, sentir, e sentir. E sentir mais um pouco só para ter certeza, porque no fundo a única certeza que ela tinha, é que se nada desse certo ela voltaria para o sorriso motivado pelo abrir da sua janela.

Carolina Assis

Não, não pense que é sempre bom, não sou a-toda-boa, a toda alegre o tempo todo, a toda amorosa constantemente. Eu sou estranha, tenho gestos e pensamentos e encanações e neuras e filosofias viajantes e temperamento salgado e toda uma série de e’s que não consigo ajustar aqui, agora, pra você, talvez por não saber ajustá-los nem pra mim. Mas deixa isso tudo pra lá, eu e a minha estranhice, estranheza, estranhagem, estranhamento, estranhação. Estranha ação. É isso aí, sou cheia de estranhas ações. Uma delas é tentar explicar o sentido de uma coisa que nem sentido faz.
[Clarissa Corrêa]

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Eu olho pra sua tatuagem...


...e pro tamanho do seu braço e pros calos da sua mão e acho que vai dar tudo certo. Me encho de esperança e nada. Vem você e me trata tão bem. Estraga tudo. Mania de ser bom moço, coisa chata. Eu nunca mais quero ouvir que você só tem olhos pra mim, ok? E nem o quanto você é bom filho. Muito menos o quanto você ama crianças. E trate de parar com essa mania horrível de largar seus amigos quando eu ligo. Colabora, pô. Tá tão fácil me ganhar, basta fazer tudo pra me perder. E lá vem ele dizer que meu cabelo sujo tem cheiro bom. E que já que eu não liguei e não atendi, ele foi dormir. E que segurar minha mão já basta. E que ele quer conhecer minha mãe. E que viajar sem mim é um final de semana nulo. E que tudo bem se eu só quiser ficar lendo e não abrir a boca. Com tanto potencial pra acabar com a minha vida, sabe o que ele quer? Me fazer feliz. Olha que desgraça. O moço quer me fazer feliz. E acabar com a maravilhosa sensação de ser miserável. E tirar de mim a única coisa que sei fazer direito nessa vida que é sofrer. Anos de aprimoramento e ele quer mudar todo o esquema. O moço quer me fazer feliz. Veja se pode. Não dá, assim não dá. Deveria ter cadeia pra esse tipo de elemento daninho. Pior é que vicia. Não é que acordei me achando hoje? Agora neguinho me trata mal e eu não deixo. Agora neguinho quer me judiar e eu mando pastar. Dei de achar que mereço ser amada. Veja se pode. Anos nos servindo de capacho, feliz da vida, e aí chega um desavisado com a coxa mais incrível do país e muda tudo. Até assoviando eu tô agora. Que desgraça. Ontem quase, quase, quase ele me tratou mal. Foi por muito pouco. Eu senti que a coisa tava vindo. Cruzei os dedos. Cheguei a implorar ao acaso. Vai, meu filho. Só um pouquinho. Me xinga, vai. Me dá uma apertada mais forte no braço. Fala de outra mulher. Atende algum amigo retardado bem na hora que eu tava falando dos meus medos. Manda eu calar a boca. Sei lá. Faz alguma coisa homem! E era piada. Era piadinha. Ele fez que tava bravo. E acabou. Já veio com o papo chato de que me ama e começou a melação de novo. Eita homem pra me beijar. Coisa chata. Minha mãe deveria me prender em casa, me proteger, sei lá. Onde já se viu andar com um homem desses. O homem me busca todas as vezes, me espera na porta, abre a porta do carro. Isso quando não me suspende no ar e fala 456 elogios em menos de cinco segundos. Pra piorar, ele ainda tem o pior dos defeitos da humanidade: ele esqueceu a ex namorada. Depois de trinta anos me relacionando só com homens obcecados por amores antigos, agora me aparece um obcecado por mim que nem lembra direito o nome da ex. Fala se tão de sacanagem comigo ou não? Como é que eu vou sofrer numa situação dessas? Como? Me diz? Durmo que é uma maravilha. A pele está incrível. A fome voltou. A vida tá de uma chatice ímpar. Alguém pode, por favor, me ajudar? Existe terapia pra tentar ser infeliz? Outro dia até me belisquei pra sofrer um pouquinho. Mas o desgraçado correu pra assoprar e dar beijinho.

Tati Bernardi